Carta ao tempo

Idosa branca segurando uma carta Old white woman holding a letter

Lembro da solidão que existia dentro da alma atormentada que os vinte e muitos anos guardavam. Quem era a mulher que eu gostaria de me tornar? Eu não sabia. Eu só possuía uma urgência de me entender e tirar todo o sentimento que permeava o meu ser: a dor da incompreensão e a tristeza das conversas vazias.

Essa sensação de infinito interior que não passava, que a inquietude da imaturidade trazia, já não carrego dentro do peito. Os anos me fizeram enxergar o agora e entender que a solidão faz parte de mim. Solidão essa que não busca mais ser preenchida, e sim entendida e acolhida.

Hoje sou capaz de perdoar as minhas escolhas, de não mais odiar cada centímetro do meu ser. A menina que eu carregava ainda está ali, e hoje consigo enxergá-la. Sou capaz de perceber que, ao ferir a mim, estou ferindo quem fui, e não mais quero causar dor à minha criança interior.

Perdoo os meus erros. Perdoo as vezes em que errei, as vergonhas que insistem em voltar à memória. Entretanto, elas já passaram e não há o que ser feito. Remoer? Com qual intuito, além de abrir feridas que já deveriam estar cicatrizadas? Tira aquela menina do castigo, porque ela já pensou demais. Deixa ela livre.

O tempo não tem sido implacável, mas sim o sopro amigo que faltava. Ele permitiu encarar as falhas com paciência e entender que você não deve nada a ninguém. A realidade dói, sim, e você vive uma constante solidão, mas o passar dos anos ajudaram a compreender que esse sentimento não pode ser compartilhado, ainda mais que hoje você tem uma pessoa com a qual divide a solidão.

O amor é calmo, diferente de tudo que você acreditava. Ele veio e, diferente do que fizeram você acreditar, você é merecedora. Talvez por isso viva um amor tão feliz. Tão singelo. Um amor que você não acreditava existir e, por isso, buscasse nos lugares errados, nas pessoas erradas.

Hoje você permite que enxerguem o seu lado bom, a sua beleza. Por muitos anos você não permitia que enxergassem nada que você trazia e isso tem um motivo. Você não trazia nada além de dor. Hoje a dor segue em você, mas ela não a define mais.

As angústias que você carregava foram se abrandando. As lágrimas que você prendia já podem escorrer. O tempo foi bom com você, sim. Ele permitiu que você se permitisse. Ele permitiu que você, de fato, existisse, em vez de sempre resistir.

Texto publicado no meu Tumblr Textos da Lívia Lamblet

You Might Also Like

Leave a Reply

pt_BRPOR